terça-feira, 2 de junho de 2009

Vigilância permanente da democracia

No dia da promulgação da Constituição Cidadã, o deputado Ulysses Guimarães reconheceu que a Carta não era perfeita, mas fez uma defesa apaixonada pela manutenção da democracia:

"Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim.
Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.
Traidor da Constituição é traidor da Pátria."
Ulysses Guimarães


Existem muitos temas que merecem ser debatidos e refletidos por todos nós para a construção de nossa sociedade, exatamente como ensina o professor Clémerson Merlin Cléve: "A consciência crítica da sociedade é a principal aliada dos direitos fundamentais em busca de cumprimento. A manutenção dessas conquistas depende de uma vigilância permanente, de uma prática constitucional compromissada e de um Judiciário independente. Estamos no bom caminho." *1

Eu concordo que precisamos ser vigilantes e que a consciência crítica da sociedade é a principal aliada dos direitos humanos porque uma vez que todos tenham conhecimento de seus direitos, poderão reivindicá-los, assim como se espera que todo cidadão, tendo conhecimento de seus deveres, também os exerça sem que precise que ser compelido a isso.

Entretanto, tenho minhas dúvidas sobre estarmos no bom caminho.... eu entendo que temos um longo e árduo caminho a percorrer para estarmos livres das mais absurdas violações dos direitos fundamentais, e quando afirmo isso, nem estou me referindo às atrocidades que ocorrem diariamente, mas pelas violações cometidas por aqueles órgãos que deveriam nos proteger, me refiro aos três Poderes.

Gostaria aqui de lembrar de um comentário do Professor Ives Gandra da Silva Martins, em uma de suas aulas no curso de pós-graduação em direito tributário e reproduzido em seu livro "Constituição Federal - Avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro", que "critica a postura assumida por determinadas autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, de que todos são culpados, apenas que haja alguma suspeita, até que provem sua inocência."

Realmente é um absurdo e contraria totalmente a nossa Constituição!!!

Tendo em vista que atuo na área do direito tributário, é comum o embate entre os contribuintes e o fisco, contudo, sou obrigada a confessar que vivenciamos inúmeras violações constitucionais vindas exatamente daquele Poder que deveria cumprí-la com rigor: o Executivo, e sempre com o mesmo discurso: "existe uma Portaria X, uma Instrução Normativa Y, e mesmo que contrarie a Constituição, nós seguimos as nossas leis". Não posso concordar com isso, a Constituição é uma e deve ser seguida por todos, as demais leis, Instruções e Portarias devem seguir os mesmos princípios por ela ditados.

Aliás, já ouvi uma pérola da administração pública estadual: "Não adianta você requerer na esfera administrativa com fundamento na Constituição porque aqui dentro isso não funciona, aqui é mais na prática mesmo..." Dá para acreditar? Ainda bem que este agente já se aposentou, era uma aberração, faço votos de que ele não tenha influenciado muita gente...

Apenas para provocar a reflexão e o debate, saliento que no Estado de São Paulo, existe uma Portaria emitida pela Coordenadoria de Administração Tributária que determina a suspensão e até mesmo a cassação da inscrição estadual da empresa, e, somente após esse ato administrativo unilateral, possibilita o recurso, sem efeito suspensivo para que o contribuinte se manifeste e se defenda daquele ato que já o impossibilitou de desenvolver sua atividade empresarial...

Ora, como a Secretaria Estadual da Fazenda pretende cumprir o que determina a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LV de assegurar o contraditório e a ampla defesa se já impossibilitou a empresa de desenvolver sua atividade empresarial, ou seja, já CONDENOU a empresa a fechar suas portas...

Infelizmente, a Receita Federal segue pelo mesmo caminho, pois existem inúmeras empresas que, por determinação de uma certa Instrução Normativa têm seu CNPJ suspenso ou cassado por um ato unilateral da administração fiscal, e, também somente após este ato, poderá recorrer administrativamente desta decisão...

A única alternativa que resta a estes contribuintes é buscar a tutela jurisdicional, que, na maioria das vezes, realmente cumpre o papel de ser o verdadeiro guardião da Constituição Federal, conforme podemos citar a decisão da Desembargadora Vera Angrisani em uma Apelação Cível n° 834.089.5/0-00, proveniente de Jales:

"(...) Acrescente-se que é permitida a cassação ou suspensão da inscrição da pessoa jurídica, a fim de impedir a atividade econômica ilícita. Não obstante, necessite de contraditório e ampla defesa, o que não se efetivou como bem assinalado nas próprias razões recursais (fls. 219). De certo que o Fisco possui o poder-dever de fiscalizar e tomar as medidas cabíveis, contudo, até aqui só se tem meras suspeitas e tais não podem impedir a atividade empresarial da impetrante por tempo indeterminado. (...)"

Por outro lado, também encontramos alguns magistrados (poucos, Graças a Deus) que não concedem medidas liminares para que a atividade da empresa transcorra normalmente até que sejam esgotadas as esferas administrativas e judiciais, para, em sentença (ou seja, após alguns anos), dar total provimento ao contribuinte!!! Quem ganhou a ação? Não existe mais contribuinte, lembram-se: o CNPJ já foi suspenso ou cassado!!!

O contribuinte não pode continuar sendo tratado como culpado ou bandido, ele paga impostos, taxas, contribuições sem fim, cumpre obrigações fiscais, trabalhistas, sanitárias, urbanísticas, ambientais, tudo lhe é imposto, o contribuinte sustenta o Estado, que, aliás, discursa a favor do empreendedorismo... Paradoxal, não?

Os problemas iniciam com a abertura da empresa, porque a legislação exige que a empresa já possua endereço para solicitar registro nos órgãos governamentais, contudo, no Brasil isso significa, de pronto, uma despesa de no mínimo 03 meses de aluguel, de portas fechadas, apenas para aguardar o registro nos referidos órgãos: Junta Comercial, Receita Federal, Secretaria da Fazenda e, quando necessário Prefeitura Municipal. Nos EUA esses registros, que também são obrigatórios para controle e fiscalização do Estado dura, no máximo, uma semana.

Para refletir: O bom empreendedor pode ser obrigado a fechar suas portas por um ato arbitrário fundado em Portaria ou Instrução Normativa e aquele que fica à margem da lei consegue prosperar, uma vez que seus clientes e fornecedores nunca lhe exigiram CNPJ ou inscrição estadual mesmo...

Na ânsia de encher os cofres públicos, estão atirando no próprio pé, ou, como diria o ditado popular: "estão matando a galinha dos ovos de ouro".

Espero que a experiência de cada um possa ampliar o debate sobre essa questão.

Abs a todos.



*1 - Revista "RT Informa" n. 55, ano IX, set/out, 2008.

17 comentários:

Fisconcursos disse...

Olá, Sabrina!

Obrigada pela visita e pelo comentário. Fico muito alegre quando colegas fazem contato. Vou acompanhar o seu blog a partir de agora, pois sempre organizo grupos de discussão para alguns temas que são comuns. Um abraço e vou ler suas publicações, amanhã.

Maria Amorim

Leandro disse...

Sou estudante e ouço tanta gente falando que a constituição está velha, é verdade que está na hora de fazer outra?

Anônimo disse...

Sou servidor público e cumpro minha função, eu sou pequeno, eu cumpro ordens, sei que tem gente que age sem seguir a lei, algumas vezes é ordem, então a coisa complica.

José Antonio disse...

Encontrei um artigo muito interessante do Prof Ives Gandra sobre o tema que compensa ler:
http://www.idtl.com.br/artigos/208.pdf

CH disse...

Sabrina,

Embora eu não atue na área jurídica, como empreendedor, posso dizer que sinto na pele há anos as dificuldades em se manter um negócio rodando em um ambiente que impõe impostos e taxas antes mesmo que você comece a "rodar". Ou seja, preciso provar ao estado constantemente a seriedade do meu negócio, ao contrário do mercado negro, que atua livremente, pois os impostos que pago, aparentemente não são suficientes para garantir uma fiscalização adequada. Assim, é preciso dar estabilidade aos colaboradores sobre uma base completamente instável.

Costumo falar, por brincadeira, que o empreendendorismo deveria ser compulsório no Brasil. Tal qual uma tese de conclusão de curso. Mudaria a mentalidade de muitos acerca de um tema tão vital para o país, expondo a um público maior os problemas citados neste post. Uma pena que só se possa pensar nisso por brincadeira.

Alguém disse...

São tantos os problemas que encontro como contador que não saberia por onde começar...
A burocracia é enorme, cada lugar pede uma coisa diferente, mesmo que todas sejam ligadas a um único departamento.
Algumas regras simplesmente são contrárias a outras já existentes, e como resolvemos?
Existe um descrédito muito grande com a administração pública: atrapalha os empreendedores sérios, dificulta o trabalho dos honestos e possibilita a venda de facilidades.

Clea Pinheiro disse...

Olá Sabrina,
Seja sempre bem vinda. Deixo aqui um abraço e volto depois, com mais tempo para uma apreciação detida. Gostei muito dos temas abordados.
Até mais.

Leandro A Doorneles disse...

Oi. Olha sempre que tenho tempo, visito seu blog, além de me manter informado adquiro otimos conhcimentos. Parabens o artigo está excelente, são pontos que realmente não podemos ignorar, porem confesso que tenho muito o que aprender sobre tais temas.

Parabens, Gosto muito de seus artigos.

Roberto disse...

Professora Parabéns.
Adorei os artigos, já me formei, vc me deu aula na Italo, já faz tempo, mas lembro bem.
Ajudo uma ONG depois de uma vez que reclamamos do governo e de tudo e vc perguntou o que cada um fazia concretamente para melhorar o nosso país, caiu a minha ficha. Obrigado por tudo.

Ricardo disse...

Olá Sabrina,

Democracia é um sistema onde o povo influencia o governo do Estado, portanto, sendo o povo corrupto ou, na melhor hipótese, estúpido, o que esperar do Estado?

Nicholas Gimenes disse...

Oi Sabrina! Obrigado pelo comentário e pelo apoio ao projeto sobre desaparecidos! graças a pessoas como vc, q divulgam o banner q ele pode vir a ter resultado, se ngm divulgasse.. ele não serviria pra nada rsrs

grande abraço, e aproveite o final de semana! :)

Nicholas Gimenes disse...

ah eu vi q vc gostou do livro do Bauman sobre consumo.. eu vi pra vender, e fui pra casa pensar.. mas já q vc gostou, na próxima vez q eu for no shopping vou se compro... valeu pela indicação rs ;)

Evangelista disse...

Maravilha! Fiquei impressinado com a excelente qualidade dos seus textos!Foi uma honra ter sido seu aluno. Infelizmente não pude participar de todas as suas aulas, mas ainda bem que vou poder ler seus artigos no blog. Obrigado por nos ajudar a superar nossa ignorância.
Adorei seu artigo sobre a vigilância permanente da demogracia.
Um abraço.
Evangelista Cirino.

Sabrina Noureddine disse...

Oi pessoal, fiquei contente que este tema propiciou um debate de alto nível!!!

Em relação ao que o Leandro perguntou, muita gente diz isso, mas a elaboração de uma Constituição inteira é muito demorada e complexa, além de corrermos o risco de perder todas as conquistas sociais de uma só vez, da forma como está, temos como discutir e emitir nossas opiniões sobre cada uma das Emendas Constitucionais, uma forma de efetivamente exercermos a democracia... mas essa é a minha opinião...

De alguns depoimentos, mesmo que anônimos, pudemos perceber que efetivamente a Administração Pública (em todas as esferas: municipal, estadual e federal) não está seguindo corretamente as leis, sendo determinante nossa persistência nos debates e em nossas associações de classe, do empresariado, além de ações na justiça para frear e impedir essa postura do Poder Executivo.

Época de fim de semestre é difícil para os alunos mas tb para os professores... De qq forma já estou preparando um novo tema para discutirmos na próxima semana.

Abs. a todos, Sabrina.

Salomão disse...

Oi Sabrina, estudei empreendedorismo no mestrado e além disso sou empreendedor... Fica aqui uma observação que ouvi de um renomado professor da USP que estuda empreendedorismo faz 30 anos... "Se realmente o governo quer estimular o empreendedorismo, faz melhor diminuindo seu tamanho e os impostos do que com qualquer de suas clássicas soluções (SEBRAE, subsídios, linhas de crédito, fomento, incubadoras, etc...)"

... mas no Brasil, o empreendedor já nasce ilegal (dado a complexidade da legislação) e se mesmo assim tem sucesso, ainda é visto como um canalha ladrão.

Enéias Teles Borges disse...

Oi Sabrina: passei por aqui para ler e dizer que adicionei seu blog nas "minhas dicas", lá do meu blog.

Felicidades

Newton Kage disse...

Sabrina,
fiquei impressionado com a mensagem de Ulisses!
Parabéns pelas postagens e pelas discussões geradas!
Em breve terá de haver uma arbitragem, ou mesmo um juiz... rsrsr
Td de bom!
KG